2

O que há de novo?

Carreira docente: um gigante desafio

Enquanto se seguir a política de precarização do trabalho docente, não haverá novos professores nesse país, não haverá mais professores.

Nesta semana, o Governo Federal anunciou a criação de um importante pacote de valorização da profissão docente. Nesse pacote, por ora, destacam-se dois Programas: o “Pé-de-meia Licenciatura” e o “Mais Professores para o Brasil”. O primeiro visa incentivar os jovens a ingressarem na carreira docente. Aqueles que atingiram uma nota mínima de 650 pontos no Enem e optarem por cursar uma licenciatura, receberão uma bolsa de R$1.050,00 mensal. Aqueles que já são docentes do Ensino Básico e se cadastrarem no Programa Mais Professores, receberão, durante dois anos, uma bolsa de R$2.100,00 a ser somada ao seu salário, uma vez que se disponha a lecionar em lugares onde há carência de professores. O Programa prevê, também, a distribuição de notebooks a esses docentes.

Ambos os Programas são louváveis e devemos saudá-los com sentimento de esperança. Mas será o suficiente frente aos desafios que enfrentamos na área da Educação?

Sou docente do Magistério Superior Federal desde 2011. Antes disso, atuei no Magistério Superior privado, no Ensino Médio e na Educação Básica tanto particular quanto pública. Eu poderia ter seguido outras carreiras, mas escolhi ser professora porque acredito que a educação é o motor do desenvolvimento social, econômico e cultural de todas as nações. É clichê, mas não custa lembrar: sem professores, não há engenheiros, arquitetos, químicos, advogados, juízes, médicos, enfermeiros, psicólogos…

Sem a educação superior pública brasileira não há sequer pesquisa, pois são as universidades públicas as responsáveis por mais de 90% da pesquisa feita neste país. Pesquisas de ponta e pesquisas básicas, que permitem o avanço das demais; que permitem a criação de vacinas e com isso nos tiram de uma pandemia; que permitem a construção de pontes, numa sociedade que insiste em erguer muros; que permite a criação de conhecimento, numa sociedade que se ilude facilmente com notícias falsas e informações superficiais.

Os docentes da educação superior pública brasileira dão aulas (mas, antes disso, as preparam), fazem pesquisas, participam da gestão das universidades, atuam na extensão – integrando a comunidade e a academia –, formam futuros profissionais e, mais do que isso, formam cidadãos. Assumimos muitos papéis, muitas funções num mesmo trabalho: o trabalho docente.

Mas será que o trabalho docente está afinado com o que preconiza a OIT (Organização Internacional do Trabalho) sobre trabalho decente?

Nos últimos anos, o número de licenças-saúde tem crescido de maneira significativa em nossas universidades e escolas, sendo o principal motivo para afastamento o adoecimento mental. Os TMC (Transtornos Mentais Comuns) incluem a depressão, a ansiedade e os transtornos somatoformes, como insônia, nervosismo, esquecimento, irritabilidade, dores de cabeça, dores no corpo (por vezes diagnosticados como fibromialgia, e quase sempre relacionados à fadiga extrema). Mas também chegamos a casos graves, como AVCs e infartos. 

A absoluta maioria dos estudos sobre adoecimento de docentes aponta como responsáveis influências várias no cenário de trabalho, como: acúmulo de funções (não raro em mais de uma instituição de ensino), volume excessivo de atividades, ritmo acelerado de trabalho, tempo insuficiente para a realização das tarefas, trabalho repetitivo, relações conflituosas com colegas e estudantes, além de falta de reconhecimento. No caso do magistério superior, somam-se a pressão para publicações em revistas de alto impacto e para a produtividade.

A falta de reconhecimento parece ser generalizada. A imagem dos professores, inclusive dos catedráticos, que já foi símbolo de respeito, reverência e status, hoje pede socorro. Fomos vilipendiados pelo governo Bolsonaro, cujo ministro da educação nos chamou de “vagabundos” e “promotores de balbúrdia”; nos acusou de receber sem trabalhar e de tornar nossas universidades grandes “plantações de maconha”. Desde então, parece que o pouco respeito que ainda tínhamos foi perdido.

Têm crescido, também, os casos de desrespeito e de violência por parte dos estudantes, ocupando o Brasil o triste primeiro lugar no ranking da violência contra professores. Nesse ranking, consideram-se as violências físicas, mas não podemos nos esquecer das violências quotidianas, como a gravação de aula sem autorização, a exposição de trechos descontextualizados das aulas, as denúncias caluniosas de alguns que encontram no professor o “inimigo da pátria” que parte de nossa sociedade pintou. Inimigo da pátria ou seu próprio. A cada dia, parece mais difícil que os estudantes entendam que os professores não os devem servir, mas os ensinar, e que as notas que eles tiram são produto do seu estudo e da sua própria dedicação (ou da falta deles).

Nossa sociedade está adoecida e estamos adoecendo com ela.

Como, então, nesse cenário, ter um trabalho docente decente? Trabalho decente pressupõe condições salariais justas e dignas; pressupõe segurança e dignidade humana; pressupõe liberdade no exercício da profissão; pressupõe o desenvolvimento pessoal; pressupõe a participação nas instâncias de decisão sobre os direitos trabalhistas, o que inclui nossos salários e nossa aposentadoria. Essas não são bandeiras aleatórias, são os princípios definidos pela OIT desde em 1999.

Enquanto se seguir a política de precarização do trabalho docente, não haverá novos professores nesse país, não haverá mais professores. Nos últimos sete anos a procura por cursos de licenciatura caiu em 74%. Isso é um sinal claro e drástico do quanto a figura docente foi aviltada nos últimos tempos; é um sinal claro e drástico de que precisamos urgentemente reverter a lógica de que “a carreira docente é a alternativa possível para quem não deu certo em outra área”. E isso se faz, sim, com Programas como os apresentados pelo governo Lula, mas se faz, sobretudo, com um programa de Nação, um programa permanente de valorização das carreiras docentes (em todos os seus níveis), com salários e condições de trabalho dignos, e com o resgate do reconhecimento da profissão e do respeito por essas pessoas que dedicam a sua vida à educação.

*Ana Boff de Godoy é Professora do Departamento de Educação e Humanidades da UFCSPA e Vice-Presidente da ADUFRGS-Sindical


Fonte: ADUFRGS-Sindical

Gostou do conteúdo? compartilhe!

Pular para o conteúdo