Os atuais servidores e a Reforma Administrativa

Algumas premissas Considerando algumas discussões que envolvem a proposta de reforma administrativa, é necessário, antes de qualquer discussão sobre a proposta forma de reforma, ter claro o alcance da proposta de reforma administrativa, além de algumas informações que julgo pertinentes. Em primeiro lugar, não é crível a declaração do coordenador do GT sobre a reforma administrativa da Câmara dos Deputados, quanto às consequências da possível aprovação das proposições legislativas a serem apresentadas em relação ao conjunto dos servidores existentes, quando diz que a reforma não atingirá nenhum dos atuais servidores. Ela se aplicará apenas aos futuros servidores concursados. Exatamente a mesma declaração de Jair Bolsonaro quando da apresentação da PEC 32/2020. A reforma administrativa atinge, sim, os atuais servidores ativos, aposentados e pensionistas. A razão do discurso é óbvia e bem articulada. O deputado Pedro Paulo (PSD/RJ) declara e outros defensores da reforma dentro e fora do Congresso Nacional repetem e a grande mídia reproduz o dito por todos. Tudo combinado para evitar reações da representação dos servidores e da população usuária, além de evitar dificuldades políticas nas bases dos parlamentares defensores da reforma, com vistas às eleições no próximo ano. Por óbvio, uma questão simples: se é enfática a afirmação deque os atuais servidores não serão atingidos, significa que os futuros terão um tratamento pior que o dos atuais? Em segundo lugar, a proposta a ser apresentada tratará, sim, de servidores federais, estaduais e municipais no que o coordenador do GT chama de uma reforma 3 X 3, atingindo os servidores dos 3 poderes e das 3 esferas de governo. Diferente do que foi feito na reforma previdenciária, onde primeiro foram atingidos os federais, enquanto os demais seriam tratados posteriormente. Essa afirmação pode ser confirmada ao observar a “PROPOSTA DE TEXTO-BASE PARA DISCUSSÃO”, parte introdutória do ‘CADERNO DA REFORMA ADMINISTRATIVA”, divulgado pelo GT no início de seus trabalhos. No texto é proposto alterações no artigo 37 da Constituição Federal, que trata da administração pública das três esferas de governo. Ou seja, uma vez aprovada, absolutamente toda a administração pública, federal, estadual, distrital e municipal, seria atingida, incluindo seus servidores. Em terceiro lugar, está clara a intenção de não tratar dos “membros de Poder”, onde se enquadram os magistrados, promotores e procuradores do Ministério Público, por exemplo. Segundo o deputado Pedro Paulo, os supersalários serão discutidos, mas não tratados nos projetos a serem apresentados. A não inclusão dos Membros de Poder foi uma decisão política, não técnica, e com dois objetivos. O primeiro, é o parlamento não se indispor com quem poderia criar dificuldades na tramitação dos projetos, ou se houver alguma judicialização sobre a reforma. O segundo objetivo é angariar apoio à proposta global, que prejudica, e muito, o conjunto dos servidores e a população com o desmonte dos serviços públicos, mantendo privilégios da casta da administração pública, da qual fazem parte tanto os magistrados, quanto parlamentares. Seria chamar atenção para uma questão que não é o eixo principal da reforma. Além de que, não haveria garantias quanto à inclusão desse segmento no texto final. Basta vermos quem é a maioria dos parlamentares que defendem apenas verbalmente acabar com os supersalários, cínica e demagogicamente, sendo todos conservadores e defensores da reforma. Bom, vamos ao objetivo do artigo. Os atuais servidores O RJU A proposta de criação de novas formas de relação entre o Estado e as pessoas que trabalharão na administração pública prevê, entre outras formas, a regência por um novo regime jurídico de pessoal. Os novos servidores seriam abrangidos por um outro regime jurídico, específico, já autorizado a ser criado, tendo em vista a aprovação pelo Supremo Tribunal Federal – STF, da ADI 2135, em novembro de 2024. Em se confirmando a existência de mais de um regime jurídico para servidores, poderemos ver alguns poucos dos atuais cargos que deverão ser considerados como “cargos de atividade exclusiva de Estado”, com garantias, direitos e condições de trabalho diferenciadas em um regime jurídico específico, recriando uma relação existente nos idos anos anteriores à Constituição Federal de 1988. A partir da alteração proposta, seria possível ignorar todas as demais carreiras que exercem atividades públicas e que necessitam da proteção do Estado, como se não fossem típicas de Estado, apesar de não exclusivas, sendo consideradas como passíveis de descarte, ou substituição por terceirizados ou celetistas, ambos sem proteção. Cargos em extinção A partir da nova legislação, se aprovada, os atuais cargos, ainda que mantidos nos autuais regimes jurídicos, poder ser considerados em situação de extinção, ainda que não expressamente dito. Isso, porque, por mais que algumas pessoas não acreditem, a nova realidade permitiria a não realização de novos concursos para esses cargos, todos serão extintos à medida que aposentem os últimos ocupantes de cada cargo. Do ponto de vista da organização dos servidores, isso significa diminuição gradativa do poder de pressão dos ocupantes desses cargos, principalmente a partir do momento em que a balança pender para a maioria de aposentados em relação aos ativos, o que dificultaria, não só a conquista de algum ganho ou direito, mas até a manutenção de algum existente, como veremos adiante. Acrescentemos a já declarada intenção de redução drástica dos números de cargos e de carreiras hoje existentes na administração pública, que se pretende reduzir, só no Executivo federal, das atuais 117 carreiras para algo em torno de 20 ou 30 carreiras, diminuindo ao máximo também os pouco mais de 2.000 cargos hoje existentes na administração federal. Isso se daria a partir da fusão ou simples extinção de cargos. Dentro desse processo está a criação (ou recriação) do chamado carreirão, unificando todos os cargos da área administrativa em estruturas transversais, o que deve acontecer na sequência da aprovação das proposições sugeridas pelo GT, considerando que serão uma PEC, Proposta de Emenda Constitucional, Um PLP, Projeto de Lei Complementar, regulamentando para os três poderes e para as três esferas de governo a PEC aprovada, além de um projeto de lei específico para os servidores federais, e que servirá de referência para estados, municípios e o Distrito Federal.
Pontos (comentados) da proposta de Reforma Administrativa

Marina Ramos/Câmara dos Deputados Afinal, o que realmente consta da proposta de reforma administrativa anunciada diuturnamente pelo coordenador do GT? Se é que haverá um relatório a ser apresentado. A resposta, que parece simples, bastando que seja tornado público o resultado dos trabalhos do Grupo de Trabalho coordenado pelo deputado Pedro Paulo (PSD/RJ). Mas, o que se vê são declarações do deputado Pedro Paulo (PSD/RJ), que contradizem outras declarações do mesmo deputado, ou ainda o material constante da página do GT na Internet. Segundo declarações de parlamentares membros do grupo, nem internamente no GT nada foi discutido, mais de três meses após a instalação do grupo, nada foi sequer apresentado. Em entrevista ao C-Level Entrevista, videocast semanal do jornal Folha de São Paulo, o deputado coordenador do GT declarou que a proposta de reforma atingirá inclusive os atuais servidores públicos, diferente do que foi declarado e que consta de material do próprio GT, além de declarações do presidente da Câmara, deputado Hugo Motta (Republicanos/PB). Outros pontos abordados pelo deputado durante a entrevista ao C-Level Entrevista merecem algum comentário e acompanhamento. Segundo o deputado a proposta a ser apresentada terá aproximadamente 70 medidas. Vamos observar algumas mudanças anunciadas pelo ministro durante a entrevista. Tabela única Segundo o deputado, a medida está sendo considerada por seus proponentes o IVA (Imposto de Valor Agregado) das carreiras, uma referência ao imposto criado pela reforma tributária. O governo federal estabeleceria os parâmetros para a definição de uma tabela única remuneratória de carreiras do serviço público. Com base nessa referência, cada estado e município edita a sua tabela. Haverá um prazo de 10 anos de transição. Uma medida complexa como essa, que envolve diferentes realidades, principalmente se compararmos as estruturas remuneratórias baseadas em diferentes realidades e estruturas de cargos e de carreiras, seja na União, nos 26 estados, no Distrito Federal e especialmente nos 5.570 municípios, mesmo que no caso desses últimos, boa parte já não tenha mais servidores estatutários. A afirmação de que haveria o prazo de 10 anos para implantação não é a resposta. Será que caberia modelar as estruturas de tabelas remuneratórias? Quantas entidades representantes de servidores dos três poderes e das três esferas de governo foram ouvidas? Não temos notícia de nenhuma conversa sobre o tema. Metas Chefes dos Executivos das três esferas de governo teriam 180 dias (6 meses) para preparar planejamentos estratégicos com metas claras de indicadores que serão perseguidos para os quatro anos de governo, com foco na meritocracia. Aqui são duas as observações. A primeira é que mais uma vez há o olhar para o serviço público como se não fosse uma atividade de Estado no atendimento às necessidades de uma Nação complexa e extremamente diversa, com regiões do país também com características diversas, sem contar as muitas e diferentes condições de trabalho e de prestação dos serviços, direta e indiretamente prestados à população. A meritocracia anunciada ignora o fato de que as pessoas nascem em contextos sociais e econômicos diferentes, com acesso desigual a recursos como educação de qualidade, saúde, moradia, transporte público, entre outras condições. Não podemos esquecer que a meritocracia desrespeita a função do serviço público, onde a base é o trabalho em equipe, com colaboração e com foco na necessidade de atendimento das necessidades da população que dependem da prestação do serviço. Não cabe na administração pública a competição interna e as avaliações individuais das pessoas em detrimento dos objetivos a serem alcançados de forma coletiva. A segunda observação é a caracterização, mais uma vez, de uma visão privada do que necessariamente é público. Merece destaque, também mais uma vez, a sustentação do Grupo de Trabalho em bases do setor empresarial e instituições de perfil neoliberal. Supersalários Limitação aos supersalários no Executivo, Legislativo e Judiciário com 17 propostas de correção de privilégios. Serão estabelecidos critérios para se definir o que é verba indenizatória e remuneratória para evitar uma lista de exceções, como aconteceu na votação do projeto na Câmara que hoje está no Senado. Não haverá mais uma lista de exceções, que terão que ser definidas em lei e não poderão ser criadas, por exemplo, por vontade própria do Judiciário. Aqui, encontramos uma das mais conhecidas contradições nos pronunciamentos dos responsáveis pelo GT. O próprio coordenador do grupo havia dito em entrevista que o assunto supersalários seria tratado no GT, mas não constaria na proposta a ser apresentada. Segundo matéria no site da rádio CBN, em julho, o coordenador do GT reconheceu que o assunto é delicado e já conta com uma série de propostas tramitando no Congresso – há propostas tratando do assunto desde 2016, há nove anos, parados na Câmara dos deputados ou no Senado Federal. Segundo o deputado relator, a questão precisa de um amplo debate. De qualquer forma, esse pode ser um item para constar, para ajudar no discurso, mesmo sabendo que pode ser cortado nas negociações entre lideranças para garantir votos ao texto restante. A conferir. Férias Fim das férias de 60 dias para o Judiciário. As férias terão que ser gozadas e não poderão se transformar em pecúnia (pagamento em dinheiro) ou pagas com retroatividade. Esse é mais um tema que deve ter o mesmo tratamento dos supersalários, põe sabendo que não fica. Ambos podem servir para depois da votação ser dito que o resultado seria fruto de negociações democráticas. Vamos seguir acompanhando. Demissão e avaliação de desempenho A reforma não acaba com a estabilidade para os servidores, mas serão definidos em lei critérios para avaliação de desempenho do servidor. O modelo de avaliação concebido pelo Ministério da Gestão e Inovação, o Sidec (Sistema de Desenvolvimento na Carreira) será estabelecido na lei federal para ser seguido por todos os Poderes e esferas de governo. A avaliação será individual e será um critério definidor da progressão da carreira do servidor. Quando o assunto é a possiblidade de demissão de servidor em razão de desempenho considerado insuficiente, a primeira coisa a ser resgatada é que esse assunto já consta da Constituição federal, em seu artigo 41, incluída pela Emenda