Nota: A luta fratricida por hegemonia
No dia seguinte ao encerramento da greve docente na Universidade Federal da Bahia, dois jornais baianos trouxeram em suas páginas editais para um mesmo evento: assembleia resultante de autoconvocação tendo como pauta “Desfiliação da APUB do PROIFES-Federação”. Um edital foi publicado pela diretoria, convocando para 16 de agosto; o outro, por uma “comissão organizadora” formada por três docentes do comando de greve que se dissolvera na véspera, convocando para 03 de julho e usando para a divulgação a silhueta do Caboclo. A proximidade com o 2 de Julho e seus símbolos disfarça o que está em jogo nessa assembleia apócrifa: aproveitar a fervura residual da greve e tentar revogar a decisão coletiva (plebiscito com 1.020 votantes, após amplo debate) que em 2009 tornou a APUB, então seção sindical do Andes, um sindicato de base estadual, com autonomia financeira, administrativa e independência política, decisão que permitiu a vinculação da entidade ao PROIFES. É o Andes, não os docentes da UFBA, a principal interessada nessa desfiliação. O Andes opera uma concepção sindical centralizada, com eleições majoritárias, que não refletem a pluralidade e a diversidade do movimento docente brasileiro. No início dos anos 2000, suas posições esquerdistas o levaram a, por exemplo, ser contrário às cotas e à expansão das universidades e institutos federais. Foi nesse contexto que o PROIFES nasceu, como organização alternativa ao modelo rígido e radicalizado que o então sindicato nacional tinha se tornado. Hoje congrega hoje 11 sindicatos independentes. É reconhecido por sua conduta consequente com o interesse da categoria, expresso nas negociações e acordos de 2012 e 2015 (dos quais o Andes se omitiu), quando concebeu e implementou as carreiras do Magistério Superior e do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico (EBTT), resultando na Lei 12.772/2012; também concebeu e viabilizou junto ao governo a classe de associado; conquistou o direito de, reunidas os requisitos, qualquer docente chegar a classe de titular; construiu as condições para que, no caso do EBTT, fosse possível avançar na carreira através do Reconhecimento de Saberes e Competências (RSC). Em 2024, a partir das condições fornecidas por seu estatuto, assinou o acordo que, um mês depois, o Andes também subscreveu. Quando, a propósito de representatividade (e do acordo que, a partir das condições fornecidas pelo seu estatuto, assinou em 27 de maio), se questiona o tamanho ou abrangência do PROIFES, deve-se ter em mente que nas universidades e institutos federais somos hoje pouco mais de 200 mil docentes. Destes, 63.518 (cerca de 32%) são sindicalizados: 46.280 pelo Andes e 17.238 pelo PROIFES. Os dados disponíveis mostram que o número de filiados que participaram de assembleias do ANDES para definição da greve foi de aproximadamente 10.000, enquanto que nas consultas nas bases do PROIFES, sempre precedidas por assembleias e ampla discussão, votaram cerca de 7.000. O ANDES, portanto, ouviu 21,6% de sua base, o PROIFES, 40,6%. Os números mostram como é relativa a representatividade nos nossos processos de decisão. Para ficar no caso da UFBA, uma comunidade formada por 4.432 docentes (2.579 ativos, 1.535 aposentados e 318 substitutos), “uma das maiores e mais fortes greves docentes” foi deflagrada por 210 de 339 votantes; nossa maior assembleia, em 24 de maio, reuniu 593: nela, 369 rejeitaram a proposta apresentada pelo governo em 15 de maio – cerca de 8% da comunidade. Na assembleia de 18 de junho, 263 de 402 votantes rejeitaram a saída imediata da greve, mesmo sendo público que 839 (de 1.236) docentes expressaram opinião, em consulta eletrônica informal, de que a greve deveria se encerrar. Nessa mesma assembleia, o acordo do governo, antes rejeitado, foi por fim aceito, enquanto o auditório se esvaziava: teve apenas 2 votos contrários. Assembleias semelhantes à que ocorrerá na APUB também foram/estão sendo organizadas em outros sindicatos da Federação: o movimento “Não em nosso nome”, cujo manifesto é uma peça de difamação e desinformação semelhante às táticas da extrema direita, declara estarem “em luta nas bases da ADUFG, ADURN, APUB, APUFSC e SINDIEDUTEC pela desfiliação dessas entidades sindicais da PROIFES-Federação”. A agência do Andes nesse movimento, cuidadosamente protegida por “oposições sindicais e coletivos de docentes”, tem início em setembro de 2023, no início das reuniões da Mesa Específica com o MGI, quando formalizou requerimentos e moveu ação judicial para excluir da negociação os sindicatos federados cujas bases não pode representar. Depois, na Mesa Setorial com o MEC, encaminhou manobras com o mesmo intento. Mas por que o Andes coordena ação antissindical de tamanha violência contra uma federação co-irmã, visando à sua inviabilidade? Porque o que está em jogo é a hegemonia. Ao litigar a posse da representação docente, apelando ao princípio da unicidade sindical, não apenas desconsidera o princípio constitucional do pluralismo político e da livre associação, como tem em vista os efeitos financeiros da eventual dilatação de seus domínios. A ofensiva do Andes contra o PROIFES se intensifica no momento em que um grupo de trabalho, envolvendo centrais sindicais, representantes de organizações patronais e do governo, elabora proposta de contribuição financeira para as entidades sindicais, vinculada às negociações de acordos e convenções coletivas de trabalho. A medida, cuja constitucionalidade foi confirmada pelo STF em setembro de 2023, visa a amenizar os efeitos da extinção do imposto sindical. Não é, portanto, apenas simbólica a “libertação” da APUB: inviabilizar o PROIFES amplia as possibilidades de ganho financeiro do pretenso sindicato nacional, que já cobra das seções sindicais sob seu controle 20% da arrecadação, mais que o dobro dos 9% praticados pelo PROIFES. Também não é gratuito que seu apetite recaia sobre cinco dos onze sindicatos federados, dos mais robustos, cujas bases vão de 1.600 a 3.000 filiados. Numa conjuntura de precarização das condições de trabalho, rarefação do trabalho formal, fragilização das condições de aposentadoria e progressiva organização da extrema direita, cada vez mais capilarizada e em ostensiva oposição ao livre pensamento e à cultura democrática cultivadas em nossas instituições, inclusive as sindicais, o movimento docente age com mais inteligência se em lugar de disputas fratricidas e ofensivas predatórias, optar pela solidariedade, a luta conjunta, o pluralismo político e a